Nada é original? Reflexões sobre criatividade, livros e minha tese de doutorado

Na última sexta-feira, por volta das 16 horas, cheguei ao Aeroporto de Congonhas. Como é comum, especialmente às sextas-feiras, o local estava lotado. Muitas pessoas retornam para suas casas para passar o fim de semana com a família, após uma semana de trabalho na capital paulista.


Era também o meu caso. Apesar de “morar” em duas cidades – São Paulo e Recife –, todos os fins de semana volto para Recife, onde minha esposa me espera.

Tenho como costume, quase um hábito, passar na livraria do aeroporto, olhar as prateleiras e tentar resistir à compra de novos livros, pois meu estoque de obras adquiridas e ainda não lidas já é enorme.

Porém, dessa vez, como quase sempre, não consegui evitar. Comprei o já conhecido e comentado livro: Roube como um artista: dicas sobre criatividade, de Austin Kleon.

Peguei o livro e, apesar do aeroporto cheio, após cinco minutos de espera consegui uma mesa no café da Kopenhagen. Pedi um café, comecei a folhear o livro e percebi que a leitura era fácil, curta e repleta de ensinamentos de alto impacto.

Logo nas primeiras páginas, um trecho me fez refletir: “Todo conselho é autobiográfico”.

Pensei comigo mesmo: “Será?”

Dois minutos depois, concordei com o autor. Aos 53 anos, percebo que só dou conselhos às pessoas que amo ou de quem gosto muito.

E, de fato, ele tem razão. Esses conselhos vêm da minha experiência de vida. Quando falo, falo com o coração, como se estivesse falando para mim mesmo.

Outro ponto que me chamou atenção foi a afirmação na página 15: “Nada é original”. Nesse trecho, Austin cita o escritor Jonathan Lethem, que afirma que, quando alguém chama algo de “original”, na maioria das vezes, é porque não conhece as referências ou fontes originais envolvidas.

Sou advogado tributarista, mestre em Direito Tributário desde 2008, e, há dois anos, decidi fazer meu doutorado. Desde então, amigos e professores sempre me dizem: “Marcelo, pela experiência e reputação que você atingiu, precisa escrever algo original, algo inédito e diferente das teses que o mercado vem ‘entregando’”.

Preocupado com essa exigência de originalidade, fui pesquisar nos manuais acadêmicos e cheguei na seguinte definição: “A tese de doutorado deve trazer uma contribuição original e significativa para o campo do conhecimento. O doutorado precisa formular hipóteses inovadoras, testar novas abordagens ou desenvolver novas teorias”.

Ou seja, tudo precisa ser novo – em outras palavras, “ser original”.

Mas então, como conciliar isso com outra reflexão presente no mesmo livro: “Não há nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:9)?

Essa ideia poderia soar desanimadora, mas, segundo Austin, ela é libertadora. Para ele (e para mim também), significa que não precisamos partir do zero, apenas construir sobre o que já existe.

Ele menciona ainda o escritor francês André Gide, que afirmou: “Tudo que precisa ser dito já foi dito. Mas, já que ninguém estava ouvindo, é preciso dizer outra vez”.

E então Austin conclui com uma lição essencial: “Se estivermos livres do fardo de sermos completamente originais, poderemos parar de tentar fugir das influências e, em vez disso, construir sobre elas”.

Voltando um pouco atrás, quando entrei na livraria, eu tentei evitar comprar mais um livro – lembram do meu estoque de leituras pendentes? Porém, por impulso ou curiosidade, comprei mais um. E, “por acaso”, li de capa a capa dentro do avião, durante o voo de São Paulo para Recife.

Identifiquei-me novamente com os ensinamentos do autor, especialmente com este trecho na página 28: “Colecione livros, mesmo que não planeje lê-los no momento. O cineasta John Waters disse: ‘Nada é mais importante do que uma biblioteca não lida’”.

Essa afirmação me motivou a continuar fazendo o que sempre fiz: comprar livros, mesmo sem saber quando terei tempo de lê-los.

A metáfora de Austin sobre “roubar” ideias é fascinante. Ele cita uma frase de Mark Twain: “É melhor pegar o que não lhe pertence do que deixar por aí esquecido”.

E antes mesmo de qualquer objeção sobre essa ideia de “roubo”, ele traz uma afirmação do estilista Yohji Yamamoto: “Comece copiando o que você ama. Copie, copie, copie. Ao final da cópia, você encontrará a si mesmo”.

Até mesmo os Beatles começaram como uma banda cover. Paul McCartney confessou: “Eu imitei Buddy Holly, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Elvis. Todos nós fizemos isso”.

Outro exemplo interessante que Austin menciona é Kobe Bryant, que declarou em uma entrevista: “Eu roubei todas as jogadas de todos esses grandes jogadores. Tento honrar os caras que vieram antes, porque aprendi muito com eles”. No entanto, Kobe percebeu que não podia apenas imitar, pois não tinha o mesmo tipo físico dos jogadores que admirava. Assim, precisou adaptar os movimentos para torná-los seus.

Na página 44, Austin cita Wilson Mizner: “Se você copia de um autor, isso é plágio. Mas, se você copia de muitos, é pesquisa”.

O cartunista Gary Panter complementa essa ideia: “Se há uma pessoa que te influencia, todos dirão que você é seu sucessor. Mas, se você rouba de cem pessoas, todos dirão que você é muito original”.

Austin reforça que nunca devemos copiar o estilo, mas sim o pensamento por trás do estilo.

Quando li tudo isso no avião, pensei: “Por que não aplicar essa lógica ao Direito e à advocacia?”

Aqui, faço uma pequena observação: isso deve ser feito de forma consciente e com honestidade intelectual. Sempre que necessário, devemos incluir notas de rodapé citando a fonte de inspiração e, quando o “roubo” for literal, fazer uma citação direta mencionando o autor, a obra, a página e a edição.

Talvez Luís Eduardo Schoueri tenha tentado copiar Ruy Barbosa Nogueira e se transformado em Luís Eduardo Schoueri.

Talvez Tercio Sampaio Ferraz Jr. tenha tentado copiar Miguel Reale e se transformado em Tercio Sampaio Ferraz Jr.

Talvez Ronald Dworkin tenha tentado copiar H. L. A. Hart e se transformado em Ronald Dworkin.

Se for assim, talvez eu mesmo tenha “copiado” muita gente.

Lembro-me do início da minha carreira, nos anos 1990, como auxiliar contábil no Recife. Eu assistia às aulas do professor Severino Ramos – conhecido como Bio Preto – e tentava imitá-lo.

Com o tempo, passei a “copiar” aquilo que lia nos livros de Hiromi Higuchi e nos Boletins da IOB.

E agora, na fase de escrever minha tese de doutorado, percebo que essa “trava” que eu sentia pode ser resolvida de outra maneira: aprendendo a me apropriar do conhecimento existente, coisa que já fazia, mas sem medo de reconstruí-lo com minha própria identidade.


Autor: Memorias