O Fim do Voto de Qualidade e sua Constitucionalidade
Em meio à Pandemia da Covid-19, o Congresso Nacional publicou a Lei nº 13.988/2020, em conversão da MP 899/2019, e modificou o critério de desempate dos julgamentos promovidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, provocando uma intensa discussão na comunidade jurídico-tributária sobre sua constitucionalidade.
O artigo 28, da Lei acrescentou o artigo 19-E à Lei nº 10.522/2002 com a seguinte redação: “Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”.
Um dos efeitos da promulgação da mencionada Lei foi a propositura de 3 (três) Ações Diretas de Inconstitucionalidade até o presente momento, tombadas sob os números 6.399 (pela Procuradoria Geral da República), 6.403 (pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB) e 6.415 (pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP).
Nas ações ajuizadas, os autores defenderam como principal argumento a impertinência temática da emenda parlamentar com o texto original da Medida Provisória nº 889/2019, que inseriu o artigo 28, da Lei nº 13.988/2020.
Afora isso, sustentou-se outros vícios formais e materiais, tais como violação aos princípios democrático, legalidade, impessoalidade, inafastabilidade jurisdicional, separação de poderes, devido processo legislativo, reserva de lei complementar, usurpação de competência exclusiva do Presidente da República.
A Associação Paulista de Estudos Tributários – APET, utilizando-se de sua experiência em estudos tributários vinculados ao tema levado à Suprema Corte, filia-se à tese de constitucionalidade da inserção do artigo 19-E à Lei nº 10.522/2002, valendo-se dos seguintes argumentos:
a. Completa afinidade temática do dispositivo, pois a modificação promovida pelo artigo 28, da Lei nº 13.988/2020 corrigiu critério de desempate no âmbito do CARF, indevidamente utilizado como mero instrumento de incremento arrecadatório e disciplinou mecanismo de solução de litígios no âmbito do contencioso administrativo tributário, em consonância com o espírito da Exposição dos Motivos da Medida Provisória nº 889/2019;
Vale observar que, ao contrário do sustentado nas ADI´s, a transação tributária não tem por definição jurídica o incremento de arrecadação, sendo esse o papel relegado ao aumento de tributos e às regras de ampliação dos poderes de fiscalização da Administração Pública.
Como traz o artigo 171, do CTN, transação consiste na concessão mútua entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, a fim de encerrar litígios tributários e, por conseguinte, extinguir o crédito tributário. Ainda que, do ponto de vista econômico, a transação traga incremento nos cofres públicos, em termos jurídicos, consista numa renúncia de receita.
Caso critério anterior de desempate dos julgamentos do CARF objetivasse incremento na arrecadação da União, estar-se-ia diante de verdadeira desvirtuação da sua verdadeira finalidade, a saber, a solução de litígios tributários e a melhor leitura e aplicação das normas fiscais aplicadas ao caso levado ao CARF.
b. O Supremo Tribunal Federal, na ADI 5127 de 2016, visou tão somente declarar inconstitucional as inserções a Medidas Provisórias promovidas pelo Poder Legislativo sem qualquer pertinência temática, denominados “jabutis”, não exigindo para a sua constitucionalidade a “pureza temática” no exercício do poder de emenda parlamentar.
Ocorre que, apesar de acertado posicionamento adotado pelo STF na ADI 5.127/2016, que visou evitar contrabando legislativo evidente, a prática ali combatida não se equipara à emenda parlamentar que inseriu o artigo 28 à Lei nº 13.988/2020.
O precedente invocado pelos defensores da inconstitucionalidade ora posta versa sobre a extinção da profissão de técnico em contabilidade em lei dedicada ao Programa Minha Casa Minha Vida, cenário fático muito diferente do ora posto em análise.
c. A versão original da MP 899/2019 versa inequivocamente sobre processo administrativo tributário, inclusive sobre os efeitos da transação nos litígios em andamento, como se vê no inciso I do § 4º do art. 12; art. 13; e inciso III do § 2º do art. 14, restando inequívoca a relação de pertinência entre os enunciados citados e a inserção do 19-E na Lei nº 10.522/02, introduzido pela Lei n. 13.988/2020.
d. Por fim, a exigência da utópica e inalcançável “pureza temática” de emenda parlamentar retiraria do Poder Legislativo sua legitimidade de alteração de textos de medidas provisórias, relegando-o a um papel secundário e de subserviência ao Poder Executivo, violando-se, por conseguinte, o princípio da separação de poderes, princípio democrático e devido processo legal.
Assim, não restam dúvidas quanto à constitucionalidade do artigo 28, da Lei nº 13.988/2020, que inseriu o artigo 19-E à Lei nº 10.522/2002, modificando o critério de desempate dos julgamentos no âmbito do CARF.
Autor: Marcelo Magalhães Peixoto
Presidente Fundador da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários