I – Origens, Trabalho e Obsessão
Se você ainda não leu o livro Fora de Série, de Malcolm Gladwell, permita-me iniciar este artigo com uma sugestão: leia-o. Poucas obras conseguem traduzir com tanta lucidez os mecanismos invisíveis por trás do sucesso. Mais do que uma análise sociológica, trata-se de um espelho provocador, que nos obriga a olhar com mais profundidade para nossas conquistas e para o papel do contexto em nossa trajetória.
“Professor, qual é o segredo do sucesso?”, é uma pergunta que escuto com frequência de alunos, jovens advogados e amigos. Muitos esperam uma fórmula mágica, algo como uma receita de bolo. Sempre respondi com sinceridade: trabalhar, trabalhar, estudar, estudar, estudar, trabalhar, estudar, ter obsessão pelo que faz.
Nunca escondi que o caminho é duro, que exige disciplina, renúncias e muito foco. No entanto, a leitura de Fora de Série me fez compreender que o sucesso é mais complexo do que isso.
Gladwell mostra que existe um ecossistema invisível por trás das grandes conquistas, formado por fatores como timing, origem, cultura, apoio familiar e oportunidades inesperadas.
Essa percepção ampliou minha visão e me fez revisitar minha própria história com outros olhos. Sou filho de um taxista e caminhoneiro e de uma dona de casa. Cresci em bairros pobres da periferia brasileira, entre São Paulo e Recife, passando por escolas públicas e realidades marcadas por limitações materiais, mas também por valores profundos de dignidade e trabalho.
Na adolescência, compreendi que a educação seria minha principal ferramenta de transformação. Meu contato com os livros e com o estudo se tornou mais que uma obrigação: virou um caminho de sobrevivência e ascensão. Comecei a trabalhar na área contábil/fiscal em dezembro de 1992 como auxiliar de contabilidade.
Meu objetivo era prático: ter uma profissão, construir uma família. Mas logo percebi que minha vocação estava em algo mais amplo. Atuei como auditor, coordenador de equipes e consultor tributário. Em 1998, me tornei gerente de tributos em uma multinacional. Nesse mesmo ano, iniciei a faculdade de Direito e, aos sábados, cursava a especialização em Direito Tributário no IBET/IBDT.
Formei-me em Direito no fim de 2002 e, embora não tivesse um diploma em uma faculdade “de primeira linha” nem fluência em inglês, possuía algo que o mercado começava a valorizar: experiência real, conhecimento contábil e paixão pela tributação.
Quando Gladwell fala sobre as “10 mil horas” necessárias para atingir a excelência em qualquer área, eu me reconheço. Estudei com afinco, lecionei, escrevi artigos, participei de debates, mergulhei fundo em cada nuance da legislação tributária. Minha rotina era regida por esse ciclo de estudo e aplicação. A paixão pelo que fazia era o combustível. A obsessão pela matéria, pelo detalhe, pelo entendimento profundo da norma, foi o que me fez consolidar uma base sólida e respeitada.
II – Oportunidades, Timing e a Criação da APET
Minha entrada no Direito Tributário coincidiu com um momento de efervescência na área. O sistema tributário brasileiro já era caótico e demandava especialistas preparados. Eu estava pronto. O mercado estava aberto. A interseção entre preparo e oportunidade criou as condições ideais para minha ascensão.
Li com interesse a história de Joe Flom no livro de Gladwell, o advogado norte Americano que prosperou ao apostar em fusões e aquisições antes que se tornassem o epicentro do direito empresarial.
Havia ali um paralelismo com a minha escolha profissional. Não basta trabalhar duro; é preciso escolher o terreno certo para plantar.
Durante minha especialização, percebi o preconceito que muitos juristas tinham com profissionais de formação contábil. Comentários como “isso é coisa de contador” eram comuns sempre que um argumento contábil surgia nos debates.
Diante dessa realidade, surgiu a ideia de criar um espaço de debate técnico, livre de preconceitos e academicismos excludentes. Assim nasceu, em 2003, a APET — Associação Paulista de Estudos Tributários.
Desde então, promovemos centenas de eventos, simpósios e encontros que ajudaram a formar uma nova geração de tributaristas. Esse passo, que nasceu como reação, transformou-se em projeto coletivo de impacto, fortalecendo não apenas minha carreira, mas o próprio campo do Direito Tributário no Brasil.
III – Sucesso com Consciência e Responsabilidade
O livro Fora de Série trouxe uma chave de leitura poderosa. O sucesso é multifatorial. Ele não é só fruto de esforço individual, mas também de condições externas, culturais, históricas e familiares.
Gladwell não tira o mérito dos vitoriosos; ele o humaniza. Entender isso me fez mais grato, mais consciente e, principalmente, mais comprometido em abrir caminhos para outros. Perceber os fatores que me beneficiaram me fez enxergar os obstáculos que outros ainda enfrentam.
Continuo acreditando na força do trabalho duro, da dedicação e da disciplina. Mas também digo aos jovens: observem o contexto, busquem suas oportunidades. Criem conexões. Estejam prontos quando a porta se abrir.
Sejam obsessivos, sim. Mas também sejam estrategistas. Cultivem relações, publiquem, participem de instituições. O sucesso é uma construção coletiva, com base individual. Minha história é feita de obstinação, mas também de boas circunstâncias. Tive paixão pelo que faço, apoio da família, acesso a bons cursos e professores, e entrei no mercado no momento certo. Nada disso anula o esforço.
Mas tudo isso mostra que o sucesso não é uma linha reta. A leitura de Fora de Série foi um divisor de águas. Fez com que eu valorizasse ainda mais minha trajetória e entendesse, com clareza, o tamanho da responsabilidade que é inspirar outros.
Por isso, reitero: leia esse livro. E, acima de tudo, reflita sobre a sua própria história. Talvez você descubra que é muito mais “fora de série” do que imagina.